quarta-feira, agosto 29, 2007

Café com Quixote



Se eu fazia revolução? Não sei.
Mas carreguei um Dom Quixote em versão feminina
e muitas bailarinas, que dançavam para o tempo nunca parar.
Daí, do outro lado, é possível que sinta saudades do que não viveu!

sábado, agosto 25, 2007

Café com Argentina

Te amo por ceja...

Te amo por ceja, por cabello, te debato en corredores
blanquísimos donde se juegan las fuentes de la luz,
e discuto a cada nombre, te arranco con delicadeza de cicatriz, voy poniéndo te en el pelo cenizas de relámpago
y cintas que dormían en la lluvia.
No quiero que tengas una forma, que seas precisamente
lo que viene detrás de tu mano,
porque el agua, considera el agua, y los leones
cuando se disuelven en el azúcar de la fábula,
y los gestos, esa arquitectura de la nada,
encendiendo sus lámparas a mitad del encuentro.
Todo mañana es la pizarra donde te invento y te dibujo,
pronto a borrarte, así no eres,
ni tampoco con ese pelo lacio, esa sonrisa.
Busco tu suma, el borde de la copa donde el vinoes también
la luna y el espejo, busco esa línea que hace
temblar a un hombre e nuna galería de museo.
Además te quiero, y hace tiempo y frío.
[Julio Cortázar]

segunda-feira, agosto 20, 2007

Café com Velas



Que possamos acender velas nestes dias frios

que as palavras venham trazendo

as notas

ritmos
tons

imagens
para a alma da gente.

--


Ponte Velha


"Em campos
onde açucenas não floreiam
lavadeiras caminham estreando o amanhecer...

num mulato lirismo

lavadeiras nuas recolhendo velas de pureza total."


[Zila Mamede]

domingo, agosto 19, 2007

Café com uma Pedra


No meio do caminho tinha uma pedra
no meio da pedra tinha um caminho
e eu entrei voando
nesta rua.

domingo, agosto 05, 2007

Café com Brincadeira


Brincadeira

Um claro dia de inverno...

O frio é forte e seco de estalar, e Nádenka, que eu levo pelo braço, fica com os cachos das fontes e o buço no lábio superior orvalhados de prata cintilante. Estamos no cume de um morro alto. Diante dos nossos pés, até a planície, lá embaixo, estende-se um declive escorregadio e brilhante na qual o sol se mira como um espelho.

Ao nosso lado está um trenó pequenino, forrado de pano vermelho-vivo.

- Deslizemos até embaixo, Nadêjda Petrovna!

- imploro eu.

- Só uma vez! Garanto-lhe, ficaremos sãos e salvos!Mas Nádenka tem medo. Toda essa extensão, desde as suas pequeninas galochas até o fim da montanha de gelo, se lhe afigura como um terrível abismo de profundidade imensurável. Ela fica tonta e perde o fôlego. Só de olhar lá para baixo, quando eu apenas lhe proponho sentar-se no trenó - que terá então se ela arriscar despenhar-se no precipício? Ela morrerá, enlouquecerá! - Eu lhe suplico! - digo eu. - Não tenha medo! Compreenda, isso é fraqueza, é covardia! Nádenka cede, finalmente, e eu vejo pelo seu rosto que ela cede com perigo da própria vida. Acomodo-a, pálida e trêmula, no trenó, sento-me, enlaço-a com o braço e junto com ela precipito-me no abismo. O trenó voa como uma bala. O ar cortado chicoteia o rosto, silva nos ouvidos, bate, belisca raivoso, até doer, quer arrancar a cabeça dos ombros. A pressão do vento tolhe a respiração. É como se o próprio diabo nos tivesse agarrado com as suas patas, e , urrando, nos arrastasse para o inferno.

Os objetos que nos cercam fundem-se num só longo risco, que corre vertiginoso. Parece, um instante mais, e estaremos perdidos!

- Eu te amo, Nádia! - digo eu a meia voz.

O trenó começa a deslizar mais devagar, mais devagar, os uivos do vento e os zumbidos das lâminas do trenó já não são tão terríveis, a respiração já não é tão ofegante, e, finalmente, chegamos ao fim. Nádenka está mais morta do que viva. Está pálida, mal consegue respirar... Eu a ajudo a levantar-se.

- Nunca mais farei isto - diz ela, encarando-me com os olhos dilatados, cheios de terror. Por coisa alguma do mundo! Por pouco não morri! Logo depois, ela volta a si e já me fita com um olhar interrogador: terei sido eu quem disse aquelas quatro palavras, ou foi apenas uma alucinação dentro do zunido da ventania? Mas eu estou calado diante dela, fumando e examinando com atenção a minha luva.

Ela toma o meu braço e passeamos longos minutos diante do morro. O problema, visivelmente, não a deixa em paz. Foram pronunciadas aquelas palavras, ou não? Sim ou não? Sim ou não? É uma questão de amor-próprio, de honra, de vida, de felicidade, uma questão muitoimportante, a mais importante do mundo. Nádenka perscruta o meu rosto com olhares impacientes, tristes, penetrantes, responde atabalhoadamente, espera que eu fale. Oh, que jogo de emoções neste rosto encantador, que jogo! Vejo que ela luta consigo mesma, que precisa dizer alguma coisa, perguntar, mas não encontra palavras, está encabulada, amedrontada, embargada pela alegria...

- Sabe duma coisa? - diz ela, sem olhar para mim.

- O quê ? - pergunto eu.

- Vamos mais uma vez... deslizar pelo morro.

Subimos para o cume, pela escada. De novo faço Nádenka, pálida e trêmula, sentar no trenó, de novo nos despencamos no precipício medonho, de novo uiva o vento e zunem as lâminas, e de novo, quando o vôo do trenó está no auge do ímpeto e da zoeira, eu digo a meia voz:

- Eu te amo, Nádenka! Quando o trenó se detém, Nádenka lança um olhar para o morro que acabamos de descer voando, depois perscruta longamente o meu rosto, escuta, atenta, a minha voz indiferente e calma, e toda ela, toda, até mesmo o regalo de peles e o capuz, toda a sua figurinha, exprime extrema perplexidade. E no seu rosto está escrito: "Mas o que é que está acontecendo? Quem pronunciou aquelas palavras? Foi ele, ou foi enganodos meus ouvidos? "Esta incerteza a perturba, a impacienta.

A pobre menina não responde às minhas perguntas, franze a testa, está prestes a romper em choro.

- Não preferes ir para casa? - pergunto eu.

- Mas eu... eu gosto destas... descidas - diz ela, enrubescendo. Não quer deslizar mais uma vez? Ela "gosta" destas descidas, e no entanto, sentando-se no trenó, ela, como das outras vezes, fica pálida, ofegante de medo, trêmula. Descemos pela terceira vez, e eu vejo como ela fita o meu rosto, como observa os meus lábios. Mas eu aperto o lenço contra a boca, tusso, e quando chegamos ao meio do declive, deixo escapar:

- Eu te amo, Nádia! E a charada continua charada!

Nádenka se cala, está pensando... Acompanho-a para casa, ela procura andar mais devagar, atrasa o passo, espera sempre que eu lhe diga aquelas palavras. E eu vejo como sofre sua alma, como ela tem que se esforçar para não dizer: "Não pode ser que tenha sido o vento! E eu não quero que tenha sido o vento quem falou aquilo! "No dia seguinte de manhã, recebo um bilhetinho: "Se o senhor vai ao morro hoje, venha me buscar. N." E desde essa manhã, comecei a ir com Nádenka ao morro, todos os dias e, voando encosta abaixo, no trenó, eu pronuncio, cada vez, a meia voz, as mesmas palavras:

- Eu te amo, Nádia! Logo Nádenka acostuma-se a esta frase, como ao vinho e à morfina. Não pode viver sem ela. É verdade eu voar montanha abaixo lhe dá medo, como antes, mas já agora o medo e o perigo adicionam um encanto especial às palavras sobre o amor, as palavras que, como dantes, constituem uma charada e oprimem a alma. São sempre os mesmos dois suspeitos: eu e o vento...

Qual dos dois lhe declara o seu amor, ela não sabe, mas, ao que parece, isto já não lhe importa mais; não importa o vaso em que se bebe, importa ficar embriagada!Um dia, fui até o morro sozinho; misturei-me à multidão e vejo como Nádenka chega até o sopé, como me procura com os olhos... E depois, timidamente, ela sobe os degraus... Ela tem medo de ir sozinha, oh, quanto medo! Está pálida como a neve, treme e vai, como se fosse para o cadafalso, mas vai, vai sem olhar para trás, com decisão. Pelo visto, ela resolveu, finalmente, tirar a prova: será que se farão ouvir aquelas palavras estranhas, quando eu não estiver junto? E vejo como ela, lívida, com a boca entreabertade horror, toma assento no trenó, fecha os olhos, e, despedindo-se para sempre do mundo, o põe em movimento... "zzzzzz..." zunem as lâminas.

Ouvira Nádenka aquelas palavras? Não sei... Vejo apenas como ela se levanta do trenó, exausta, fraca. E vê-se pelo seu rosto que nem ela mesma sabe se ouviu alguma coisa ou não. O pavor, enquanto ela voava morro abaixo, roubou-lhe a capacidade de ouvir, de distinguir os sons, de entender...Mas eis que chega o mês de março, primaveril... O sol torna-se mais carinhoso. O nosso morro de gelo escurece, perde o seu brilho e se derrete, afinal.Acabaram os passeios de trenó. A pobre Nádenka já não tem mais onde ouvir aquelas palavras, e nem há quem as pronuncie, pois o vento não se ouve mais, e eu me preparo para voltar a Petersburgo - por muito tempo, quiçá para sempre.Uma vez, pouco antes de partir, uns dois dias, estava eu sentado, ao crepúsculo, no jardinzinho, separado do pátio onde mora Nádenka por uma cerca alta de madeira. Ainda faz bastante frio, debaixo do lixo, ainda há neve, as árvores ainda estão mortas, mas já cheira à primavera, e, preparando-se para a noitada, as gralhas fazem grande algazarra. Aproximo-me da cerca e espio pela fresta. E vejo como Nádenka sai para os degraus efixa o olhar tristonho e saudoso no firmamento... O vento da tarde sopra-lhe no rosto pálido e desanimado... Ele lembra-lhe aquele outro vento, que uivava lá no morro, quando ela ouvia aquelas quatro palavras, e seu rosto fica triste, triste, e pela face desliza uma lágrima... E a pobre menina estende os braços, como se implorando ao vento que lhe traga aquelas palavras mais uma vez. E eu, esperando o vento favorável, sopro a meia voz:

- Eu te amo, Nádia!

Deus meu, o que se passa com Nádenka! Ela solta um grito, sorri com o rosto inteiro e estende os braços ao encontro do vento, risonha, feliz, tão bonita. E eu vou arrumar as malas...Isto foi há muito tempo. Agora, Nádenka já é casada; casaram-na, ou foi ela mesma que quis - isto não importa - com um secretário da Curadoria, e hoje ela já tem três filhos. Mas os nossos passeios no morro e a voz do vento trazendo-lhe as palavras "eu te amo, Nádenka", não foram esquecidos. Para ela, isto é hoje a mais feliz, a mais comovedora e a mais bela recordação da sua vida...Mas eu, hoje, que estou mais velho, já não compreendo mais, para que dizia aquelas palavras, porque brincava...
[Anton Tchecov]
[Traduzido por Tatiana Belinky]